Acordei com a luminosidade do sol da manhã a bater gentilmente na
janela. Ao abri-la, contemplei um novo mundo: era primavera. O céu exibia um
azul quase que mágico, sem nuvens, iluminado pelo brilho irreverente do sol
que, majestoso, espalhava seus raios com tranqüilidade, como criança sonolenta
que estica os braços ao acordar. O bocejo delicado do bebê era a brisa fresca
que vinha saldar-me a fronte. As folhas verdinhas como que dançavam ao vento e
seu singular farfalhar se misturava com a melodia dos pássaros. As flores
adornavam a visão e dela eram símbolo: cores e fragrâncias não faltavam.
Lá embaixo, nas ruas, porém, a vida continuava rotineira, com todo o
ir e vir de carros e pessoas. Eu me perguntava quantos haviam comemorado o
equinócio ou quantos deslumbraram as flores. Descobri-me grata pela
sensibilidade de que fui dotada. Agradeci por ter olhos para ver, ouvidos para
ouvir, mente para entender, coração e alma para sentir. Agradeci pela sensação
libertadora que me inundava o espírito e, com um sorriso sincero desenhado nos
lábios, fui conferir o que era feito da vela verde e do incenso, ambos acesos
no dia anterior.
Da vela restou a parafina endurecida, mas eu sabia que aquela luz
estonteante e quase mágica de áurea esverdeada irradiaria em minh’alma durante
toda a primavera, concedendo-me o magnetismo que me é singular e a força e
esperança tão necessárias ao meu espírito. Lembro-me de minhas palavras ao
proclamar aquela oração que se destinava, acima de tudo, à minha tão cara
natureza: “Conceda-me o que me é necessário, pois sabes melhor do que eu”. Sei,
portanto, estar em boas mãos. Sei também que a essência do incenso perfumará
meus dias: as tristezas e as alegrias. Do pó que restou, retorna a lembrança
das brumas perfumadas que me envolveram na ocasião e daquela sensação de que o
espírito se desprendera do corpo e agora voava, entre as estrelas que cobriam a
noite clara, em direção à lua que, como sempre, me sugava aos seus encantos.
Era, enfim, primavera. A tempestade cessara e agora vinha o arco-íris:
com toda sua graça e exuberância, tecer de cores infindas nossas vidas. Assim
como desabrocham as flores, abriam-se os corações ao amor – essa força incompreensível
que nos move, que é a essência da vida e de tudo que se há de viver. As almas
preparavam-se para encontrar a luz da Verdade e desvendar as brumas do Mistério.
Mas era principalmente o amor que, junto com as rosas, desabrochava.
Eu, qual fosse flor, desabrochava-me também.
Era, enfim, primavera.
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