E aí muda o céu

Digito palavras a esmo. As letras me parecem um conjunto sortido e divertido, com o qual brinco e renuncio. Renuncio à necessidade de fazer sentido. Percebo que nesse mundo meio avulso em que os olhos decodificam como que naturalmente uma série de simbolos esquisitos, o que menos existe é racionalidade - e é o menos necessário também. É claro, o processo de aprendizado é muito racional, insistente, com muita repetição e trabalho. Mas as crianças não vêem nada como se tratasse-se de um grande esforço, de modo que até essa etapa é natural. E que falar de todas as outras? Que falar da intuição com que se dilui em nossa mente algo que lemos? Que falar da ação do subconsciente em cada palavra? Que falar do sentimento que fica?
O sentimento que fica... Para mim, de toda essa brincadeira de lego, o mais importante é o sentimento que fica. Porque ele sempre fica. E não sei se quem gosta mais disso é minha mente ou minhas mãos. Pois que a mente se delicia e as mãos dançam com a caneta a procura da formação ideal, da mais sublime constituição de palavras.
É a alma, no entanto, o aparelho que mais entregue se faz ao processo (e também o mais necessario). Quem lê sem alma, não lê: apenas traduz em sua mente o significado do que está escrito, mas e o significante? E o sentimento? O sentimento só a alma capta. E com que fugacidade! Com que despojamento! Com que renuncia de todo o resto! Com que amor incompreensível! A alma consegue tirar de si o que há de mais belo, a partir das palavras, e o que há de mais terrível também.
E as palavras conseguem fazer da alma o que bem entendem. Uma palavra consegue pôr ou tirar tanto em algo e de algo que é capaz de mudar sua essência como quem brinca com um molde de argila. Minto: a argila continua argila, independente da forma que lhe dêem. E a cada palavra que a gente lê, a gente é menos a gente (a gente vira algo a mais).
Pode-se dar a uma situação o nome de implacável, ou o nome de sublime. Eu posso dizer que o céu é de um azul calmo, e você que é de um azul caótico. E aí muda o céu. E aí mudo eu, e aí muda você. Muda tudo, porque muda a palavra.
Palavra é magia, meus caros, e devemos todos ter cuidado com o que fazemos com ela. Eu fiz da palavra minha melhor amiga, fiel escudeira e companheira; eu fiz da palavra meu feitiço diário de amor e alegria. O que você faz da palavra? Qual palavra você dá à vida?

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