Irregular

"(...) num peito como o seu, o amor não reinaria como paixão comum."
(Edgar Allan Poe)

Subserviência era uma palavra que lhe causava arrepios. A personalidade de Lisa era cheia de irregularidades, sendo o relevo de seu coração cheio de picos e precipícios. Era um terreno tão perigoso que até Lisa evitava tal percurso, caminhando apenas pelas fronteiras e fugindo, com grande sentimento de estranhamento, a qualquer indício de mudança sentido por seus pés.
Um dia, porém, seu caráter cheio de nuances cansou-se de tudo o que era plácido e plano. Abandonou os vales e resolveu escalar montanhas. Qual palácio melhor para tal descoberta, senão seu coração? Mas ele também tinha precipícios e, descuidada, Lisa caiu em um desses. Essa é a história que cabe a mim contar-lhes nas próximas linhas.
Vivia em seu peito, no topo de uma alta montanha (mais alta que os Alpes, ou até mesmo que o Himalaia), um garoto de olhos claros, longo cabelo e uma lua desenhada bem no meio da testa. Ele usava uma capa escarlate muito comprida, que Lisa pôde enxergar de muito longe e que lhe encheu de muita curiosidade. Escalou a tal montanha mais rápido do que qualquer alpinista, mas, devo dizer, não sem muita dificuldade. Tudo o que circundava o garoto era muito - ele próprio era demais.
Quando Lisa chegou ao cume da montanha e pôde ver os olhos que, de longe, pareciam duas safiras, percebeu que na verdade eram vítreos: refletiam a paisagem ao seu redor - o precioso coração de Lisa.
O que parecia ser muito era tão pouco, que o demais ficou de menos e, decepcionada, Lisa continuou seu caminho, sem olhar para trás, a procura de terrenos ainda mais voluptuosos. Foi quando, imersa nos mais profundos pensamentos, ela caiu em um precipício.
Foi a melhor sensação da sua vida: é claro que dava um pouquinho de medo, um frio na barriga... Mas era como se voasse! Além do mais, quando atingiu o chão nem se machucou tanto - era um terreno macio.
Lá embaixo havia um garoto - pelo qual ela não havia procurado. Seus olhos não refletiam a beleza do coração de Lisa, mas sim a do próprio - sendo, portanto, ainda mais encantadores. Conversaram e descobriram ser aquele abismo queda comum dos corações afins. Conheceram um o coração do outro, e amaram o que viram.
Não eram meias alegrias se completando e se refletindo.
Não eram frutos da busca incansável pelo que não tinham.
Eram dois inteiros compartilhando alegrias e corações.
Lisa descobriu, enfim, o amor.
 

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